(LucianaMariaFSilva)
Assim
se originou a capoeira, da união de diversas culturas e etnias africanas, em
terras brasileiras, como uma luta de resistência contra a escravidão (CAMPOS,
2001; SOARES, 2004). Corrobora Falcão (2004) afirmando que a Capoeira tem um
caráter pluriétnico:
Os registros históricos evidenciam que, quando a capoeira
ensaiou seus “primeiros passos”, no Brasil, o fez através de corpos africanos
de várias etnias e reinos, trazidos pelos portugueses para a, então denominada,
Terra de Santa Cruz. É possível
afirmar, portanto, que, embora ela tenha sido “engravidada” na África, ela já
“nasce” no Brasil pluriétnica. (...) Ou seja, ela foi “batizada no Brasil”,
como filha de uma condição de exploração a que foram submetidos seres humanos
procedentes de diversas etnias africanas em terras recém-invadidas pelos
portugueses (FALCÃO, 2004, p. 17).
Segundo
Nascimento (2005) os negros escravos reuniam-se em grupos, durante as suas
ínfimas horas de folga, para usufruir de suas danças e de seus rituais
religiosos. Durante esses momentos de celebração os aspectos culturais que os
uniam, se transformaram em elementos aglutinadores de forças diante da
necessidade do agir contra a situação social inferiorizada em que viviam e da
exigência de se adaptar a uma nova realidade.
O
autor ainda afirma que os negros foram introduzindo a ginga, a música e os
movimentos ritmados junto aos golpes, como forma de confundir seus feitores e
não deixar que percebessem a prática da capoeira, que deste modo era disfarçada
em dança. Porém, verdadeiramente, estavam realizando uma luta que poderia ser
utilizada contra possíveis ataques em suas fugas, ou ainda para se defenderem.
Na
primeira metade do século XIX, a capoeira era uma atividade predominantemente
de escravos. Em sua trajetória histórica, foi marcada por muitas perseguições
policiais, repressão, prisões, racismo e outras formas de controle social -
peculiaridades em que se deu a escravidão urbana, no Brasil Colônia. A partir
da segunda metade do século XIX, outros grupos sociais se aglutinaram à prática
da Capoeira como os brancos, estrangeiros e até membros da alta sociedade
(VIEIRA, 1998; SOARES, 2004).
Além
disto, é ainda no final do século XIX que diferentes objetos como facas,
cacetes e navalhas são agregados à Capoeira devido ao contato entre variadas
culturas marginais, como por exemplo, a influência dos fadistas portugueses,
excepcionais jogadores de navalhas que lutavam habilmente (OLIVEIRA; LEAL,
2009; FALCÃO, 2004).
Neste
contexto, surgem as maltas – grupos organizados de capoeiristas e outros tipos que viviam à margem da sociedade,
principalmente no Rio de Janeiro, no final do século XIX. Baseavam-se na
solidariedade, na lealdade, na valentia e na coragem e lutavam entre si pelo
domínio político e geográfico da cidade. Duas grandes maltas tornaram-se
famosas: a dos Nagoas e a dos Guaiamuns (FALCÃO, 2004).
Segundo
Nestor Capoeira (2010), neste período de marginalidade aqueles que praticavam a
capoeira procuravam disfarçá-la para não serem presos. No Recife, por exemplo,
os “moleques de banda” saíam à frente do desfile de bandas no carnaval e os
pulos e a ginga destes capoeiristas se transformaram no “passo”, dança
conhecida hoje como frevo. No Rio de Janeiro, ao serem indagados pela polícia,
diziam estar realizando uma luta chamada “pernada carioca”, para que não fossem
levados à prisão (GOULART, 2005).
De acordo com Gonçalves
Junior (2009), no ano de 1890, em 11 de outubro, a prática da capoeira foi
proibida devido à violência que se associava à mesma. Na tentativa de
eliminá-la o governo realiza repressões sistemáticas e estabeleceu no decreto
nº 487, do Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil, no capítulo
XII, que tratava dos “Vadios e Capoeiras”:
Art.402 - Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de
agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem2;
andar em correrias com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão
corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa cera ou incerta,
ou incutindo temo de algum mal:
Pena – De prisão celular de dois a seis meses.
Parágrafo único. É considerada circunstância agravante
pertencer o capoeira a algum bando ou malta. Sob chefes ou cabeças se importará
a pena em dobro. (...)
Art. 403 – No caso de reincidência será aplicada ao
capoeira, no grau máximo, a pena de um a três anos, a colônias penais que se
fundarem em ilhas marítimas, ou nas fronteiras do território nacional, podendo
para esse fim ser aproveitados os presídios militares existentes.
Art. 404 - Se nesse exercício de capoeiragem[1]
perpetrar homicídio, provocar lesão corporal, ultrajar o pudor público e
particular, e perturbar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pública ou for
encontrado com armas, incorrerá cumulativamente nas penas cominadas para tais
crimes (REGO, 1968, p. 701 citado por GONÇALVES JUNIOR, 2009).
Destarte a capoeira
permaneceu proibida durante aproximadamente 40 anos, pois somente em
1934, Getúlio Vargas o então Presidente da República, em atendimento a algumas
reinvindicações do trabalhadores, extinguiu a proibição de cultos afro-brasileiros
e a prática da capoeira, além de permitir que fosse realizada em recintos
fechados (GONÇALVES JUNIOR, 2009).
Desta forma, a capoeira se recria e se mantém viva nas
figuras de dois respeitados Mestres, nascidos na Bahia: Mestre Bimba e Mestre
Pastinha.
Manoel dos Reis Machado – Mestre Bimba (1900-1974), que
iniciou sua prática na capoeira com um africano de nome Bentinho. Fundou sua
academia em 1937, o Centro de Cultura Física Regional, em Salvador/BA e criou a
“Luta Regional Baiana”, que depois se tornou a Capoeira Regional, a qual se
originou da junção do que ele já conhecia de capoeira ao Batuque[2]
(ALMEIDA, 2002).
O
autor descreve que Mestre Bimba desenvolveu ainda um método de ensino que
consistia em oito sequências de golpes (ataques), contra-ataques e defesas,
baseados nos golpes mais comuns e frequentes no jogo de Capoeira. Criou ainda a
“Cintura Desprezada”, que consistia em movimentos de projeção (balões,
crucifixo, gravata), como saída para agarrões e para que os alunos aprendessem
a cair em pé.
Vicente
Ferreira Pastinha – Mestre Pastinha (1889-1981) – aprendeu a capoeira com um
negro de Angola, chamado Benedito e abriu sua academia, o Centro Esportivo de
Capoeira Angola, em 1941. Ensinava baseado na tradição africana, com seus
rituais, músicas, ludicidade e teatralidade, o que julgava ser a verdadeira
Capoeira, a qual ele chamou de Capoeira Angola, para diferenciar da Regional
(CAPOEIRA, 2010).
Segundo
Gonçalves Junior (2009), sua forma de ensinar era baseada na observação e
reprodução de gestos e atitudes dos mais experientes (mestres); e destes
corrigindo e sugerindo aos mais novos. O ritmo deste estilo é lento,
teatralizado e dissimulado, com alguns movimentos que buscam surpreender o
outro capoeirista. Diferente da Regional na qual o ritmo é mais rápido e os
movimentos são objetivos.
No que poderíamos denominar de um processo de esportivização da Capoeira
Regional, em 1º de Janeiro de 1973, começa a vigorar o regulamento
de 1972, que reconhece a capoeira como modalidade esportiva, pela Confederação
Brasileira de Pugilismo (CBP). Esta regulamentação adotava normas e regras de outras
lutas tratando a capoeira como um desporto do ramo pugilístico (FALCÃO, 2004).
Segundo o autor esta foi uma
evidência do Estado de querer organizar e padronizar a prática da capoeira em
todo o Brasil. Em 23 de outubro de 1992, é criada a Confederação Brasileira de
Capoeira (CBC), sendo desligada oficialmente da CBP. Contudo essas tentativas
de padronização sob a perspectiva do esporte de rendimento negam a pluralidade
desta manifestação cultural, bem como os seus valores sócio-históricos e
culturais arquivados em seus rituais, cantos e gestos (FALCÃO, 2004).
Após
inúmeras contestações e transformações a capoeira é reconhecida pelo IPHAN (2008),
como o mais recente bem cultural registrado pelo governo brasileiro. As razões que levaram a esse reconhecimento
estão nos aspectos que a constituem, como o saber transmitido pelos mestres e
reconhecidos por seus pares. E ainda, a roda que reúne todos os seus elementos,
compartilhada por todo o grupo e realizada de maneira plena, conforme a “Certidão
de registro da roda de Capoeira”.
Passando por estas
transformações, diferentes escolas de capoeira foram surgindo, além da Regional
e da Angola. Muitos alunos formados pelos mestres baianos migraram, em sua
maioria, para o Sudeste e alunos de outros estados iam à Bahia buscar estes
conhecimentos e retornavam para seus locais de origem contextualizando a
prática de forma até autodidata, produzindo mudanças nestes estilos (VIEIRA;
ASSUNÇÃO, 2009).
As características da
Regional e da Angola foram incorporadas por alguns mestres, sem que eles
abandonassem seu estilo principal, e hoje se autodefinem por praticarem a
“Capoeira Contemporânea”, ou “Angonal” – mistura entre as duas –, ou ainda
“Atual”. Pode-se ainda mencionar a “Regional Contemporânea” e a “Angola
Contemporânea”; a “Capoeira Fight” e
a “Capoeira Acrobática ou Ginga Acrobática” – somente elementos acrobáticos
partindo da ginga (VIEIRA; ASSUNÇÃO, 2009; OLIVEIRA; LEAL, 2009).
Deve-se
ressaltar que a denominada Capoeira Fight,
configura-se por “lutadores” que se enfrentam em um tatame (CAPOEIRA FIGHT,
2006). Neste estilo os movimentos característicos da capoeira foram eliminados,
como os movimentos de chão (rolê e negativa, etc) e os coreográficos (bananeira,
aú, macaco, dentre outros), ficando apenas os golpes traumáticos e incisivos,
desferidos com o único objetivo de atingir o oponente .
Diferentemente
do que propõem os defensores da Capoeira Fight,
a capoeira tradicional não se utiliza de tatame, principalmente de forma
quadrada. Sua luta/jogo é realizada de forma circular, dentro de uma roda,
formada por outros capoeiristas que tocam, batem palmas e cantam para aqueles
que estão jogando e aos que estão assistindo, exatamente o que a diferencia de
outras lutas, assim como a ginga. Estas observações implicam em uma
descaracterização da capoeira, uma vez que sua fundamentação e formatação
básicas foram excluídas.
A Capoeira acrobática ou
Ginga acrobática consiste, em sua maioria, em elementos acrobáticos e de
contorcionismo (GINGA ACROBÁTICA, 2010). Estes movimentos partem da ginga
(fundamento básico da capoeira), unindo atividades circences, a ginástica
artística e a capoeira. Esta se aproxima de uma capoeira show, destinada a apresentações, que descaracteriza sua forma de
luta.
Neste caminho, da proibição a
patrimônio cultural e internacionalização houve um aproveitamento das
multifaces da capoeira, por diferentes espaços e instâncias sociais. Contudo é
necessário preservar sua diversidade, seus ritos e suas origens, valorizando-a
como tradição de raízes afro-brasileiras.
Luciana Maria Fernandes Silva, 2012.
[1] Capoeiragem: o contexto social da
capoeira (VIEIRA, ASSUNÇÃO, 2009).
[2] Batuque: luta que se realizava em
rodas, somente entre homens e com as pernas. A competição mobilizava um par de
jogadores, de cada vez. Estes, dado o sinal, uniam as pernas firmemente, tendo
o cuidado de resguardar os órgãos sexuais. (...) Todo o esforço dos jogadores
concentrava-se em ficar de pé, sem cair. Se, perdendo o equilíbrio tombasse, o
jogador teria irremediavelmente perdido (ALMEIDA, 2002).
Parabéns!!!!
ResponderExcluirMuito legal! Adorei as informações, muito claras e muito bem desenvolvidas. Parabéns!
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ResponderExcluirolha o video dessa equipe que esta fazendo o maior sucesso no youtube
é a Equipe Game Over
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Dia do Capoeirista: por mestre Pastinha
ResponderExcluirBlog MSG ZEN, onde você encontra mensagens diárias para refletir e fotografias para apreciar.
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